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Frei Luís de Granada
1 - Primeiros anos
Nasceu em Granada no ano de 1504. Foi seu pai Francisco de Sarria, natural da povoação de Sarria, na Galiza, província de Lugo Espanha. De sua mãe, modesta lavadeira do Convento Dominicano de Santa Cruz de Granada, ignora-se o nome.
Cedo ficou órfão de pai, que faleceu tinha ele apenas 5 anos. Foi criado por sua mãe que, além do modesto e duro trabalho de lavadeira, necessitava de mendigar esmolas a fim de se bastar a si e ao seu filho com dignidade e sem vergonha. Luís de Sarria este foi seu nome de Baptismo, mais tarde teve o cuidado de o frisar quando em carta de o de Setembro de 1582, a S. Carlos Borromeu, Arcebispo de Milão, escreveu: «Sendo eu filho de uma mulher tão pobre que vivia da esmola que lhe davam à porta de um mosteiro, que não era outro que o convento dominicano de Santa Cruz de Granada. Mais tarde, já religioso, nesse convento, com licença dos Superiores repartia parte do seu alimento com a sua mãe.
Pelos anos de 1510 deve ter começado os estudos das primeiras letras e do Catecismo na chamada Escola de Doutrina, fundada pelo primeiro Arcebispo de Granada Fr. Hernando de Talavera. Com 8 anos, em 1512, o Conde de Tendilla levou-o para sua casa e fê-Io pajem dos seus filhos com os quais iniciou os estudos de Humanidades, segundo era costume de então. Acarinhado pelo Conde e pela Condessa, sua esposa, ficou-lhes profundamente reconhecido. Da Condessa, em carta à sua neta, Marquesa de Villafranca e Vice-Rainha de Nápoles Itália, diz o seguinte: «A qual me criou, desde tenra idade, com as suas migalhas, dando-me do seu prato na mesma mesa em que ela comia».
2 - Religioso Dominicano
Entretanto com 1o anos entra no Convento Dominicano de Santa Cruz de Granada, onde tomou o hábito no ano de 1523, vindo a professar nas mãos do prior P. Fr. Cristóvão de Guzmán a 15 de Junho de 1524. Durante o quadriénio de 1525-152o, no Estudo Geral do seu convento, faz os estudos de Filosofia e inicia os de Teologia que viria a completar em Valladolid. Em Granada teve como mestre entre outros o futuro Arcebispo da cidade do México, Fr. Alonso de Montúfar. De 152o a 1533 vemo-lo já em Valladolid como bolseiro do célebre Colégio Dominicano de S. Gregório completando os estudos de Teologia. A 11 de Junho jura os estatutos do mesmo Colégio que exigia dos seus alunos limpeza de sangue, claridade de engenho e virtude acrisolada. Aqui teve professores eminentes como Fr. Diogo de Astudillo e como condiscípulos, entre outros, os eminentes dominicanos Bartolomeu de Carranza, Melchior Cano, Pedro de Sotomayor, Francisco de La Cerda, Dionísio de Santei, etc. Em Valladolid ainda trocou o apelido paterno de Sarria pelo de Granada com que é universalmente conhecido.
3 - Actividades apostólicas na sua Província Dominicana de Andaluzia
Regressando a Granada com profunda e sólida formação literária, filosófica e teológica, com um verdadeiro tirocínio na vida espiritual e já ordenado sacerdote, iniciou a sua vida de ministério: como pregador e não só. Muitas das suas pregações evoca-Ias-á mais tarde, sem esquecer uma grata referência à sua benfeitora, Condessa de Tendilla: «E foi Deus servido que, depois, lhe viesse a pregar muitas vezes na Alhambra, e ela viesse com as senhoras suas filhas, a ouvir-me ao nosso convento» Carta cit..
Em 1534 inscreveu-se como possível missionário da Nova Espanha México como consta do registo na Casa de Contratação Sevilha para este fim, mas o Provincial, Fr. Miguel de los Santos, quiçá prevendo a importância do seu futuro apostolado na Península, impediu se viesse a concretizar o seu ideal missionário em terras de Além-mar.
Ainda nesse ano de 1534 é incumbido de restaurar o convento dominicano de Scala Coeli Escada do Céu na Serra Morena Córdova, fundado pelo bem-aventurado Fr. Álvaro de Córdova cuja devoção e culto promoveu entre o povo, facto que levou o Papa Bento XIV a aprovar o culto em honra deste insigne e santo religioso da Ordem de S. Domingos.
Ocupa-se 1535 - 1537 das obras materiais e dos trâmites jurídicos para a restauração do futuro convento de Scala Coeli. Torna-se de tal modo conhecido como pregador que o Cabido da Catedral de Córdova o encarrega dos sermões quaresmais de 1538. Contrai amizade com S. João de Ávila, incardinado na diocese de Córdova pelo seu bispo, à sazão, Fr. João Alvarez de Toledo, da Ordem dos Pregadores. A S. João de A vila solicita conselhos para conseguir mais abundantes frutos dessas pregações quaresmais. E dele recebe uma longa carta, espécie de carta-tratado sobre a pregação que mais tarde foi publicada como Carta a um Pregador.
Dessa altura datarão certamente os seus primeiros livros, fruto não só dos estudos feitos quando estudante e dos que lhe impunha o ministério apostólico, fruto da vida contemplativa conventual e fruto ainda da necessidade de que a educação na fé e na moral cristãs se completasse com a leitura de obras espirituais acessíveis mesmo ao povo.
A sua fama de religioso exemplar e de fecundo e santo pregador vai-se espalhando. Desprendido das glória mundanas, declina o convite para ser assignado ao Colégio de S. Gregório de Valladolid para onde o querem levar como professor, como se depreende da correspondência mantida com o seu condiscípulo Fr. Bartolomeu de Carranza e com Fr. Luís de la Cruz, correspondência que dá a entender ter Fr. Luís de Granada atravessado uma decisiva etapa espiritual de purificação e iluminação.
O Capítulo Provincial de Osuna de 1544 promoveu-o a Pregador Geral, título que estreia com um «maravilhoso sermão» a 24 de Junho no convento dominicano de S. Paulo de Córdova.
Em 1545 é eleito prior do convento de Palma deI Rio, onde deve ter permanecido pouco tempo, pois, no ano seguinte, 1546 é reclamado pela cidade de Córdova. Neste ano o Geral da Ordem a pedido do Cardeal D. Fr. João Alvarez de Toledo concede-lhe a faculdade de pregar a Palavra de Deus, percorrendo todas as cidades e aldeias de Espanha.
Depois de assistir ao Capítulo Provincial de Jerez de la Frontera acompanha o Duque de Medina-Sidónia a fim de, nos seus territórios Niebla, Sanlúcar., exercer o ministério da pregação.
Alguns biógrafos afirmam - no que há dúvidas - ter sido o fundador do convento dominicano de Badajoz onde é eleito prior, cargo que exerce pelos anos de 1548- 1550. Em Badajoz escreveu o livro de espiritualidade intitulado «Guia de Pecadores».
4 - Actividades apostólicas na Província Dominicana de Portugal
Passados 32 anos na sua Província Dominicana de Andaluzia, onde nascera e vivera até então como exemplar e apostólico dominicano, a instâncias do Cardeal Infante D. Henrique, o então Geral da Ordem Fr. Estevão Usodimare transfiliou-o da sua Província de origem para a Província Dominicana de Portugal, indo residir no Convento que a Ordem tinha em Évora. Aqui, além do mais, exerceu o cargo de conselheiro, confessor e pregador do mesmo Cardeal Infante.
Em 1556 vemo-lo no convento de S. Domingos de Lisboa dedicado à pregação e demais actividades apostólicas. No capítulo que a Província Dominicana Portuguesa celebrou, nesse ano, no convento da Batalha é eleito provincial e é nomeado confessor da Rainha D. Catarina, viúva de D. João III, irmã de Carlos V e avó do jovem rei D. Sebastião.
A Rainha, prendada de suas qualidades de religioso, santo, culto, apostólico, autor de muitos livros espirituais que ia publicando e se difundiam mesmo entre o povo simples, de homem de governo, pensa nomeá-lo 1558 Arcebispo de Braga, nomeação que rejeita. É instado pela Rainha a sugerir um candidato a fim de que seja dignamente provida de um santo, culto e zeloso pastor a arquidiocese bracarense. Sugere e propõe o Venerável D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, já conhecido dos nossos leitores, o qual influiu decisivamente em S. Carlos Borromeu, Arcebispo de Milão, com sua correspondência, e com sua obra Stimulus Pastorum para delinear e forjar a figura ideal do bispo após o Concílio de Trento.
Por esta altura 1559, três das suas melhores obras sobre vida espiritual Livro de Oração e Meditação, Guia de Pecadores e Manual de Orações correm o risco de serem condenadas e incluídas no lndex colecção de livros proibidos. Alertado pelo seu antigo condiscípulo no Colégio de S. Gregório, de Valladolid, Fr. Domingos de Soto, vai a esta cidade e, apesar de se entrevistar pessoalmente com o responsável pela sentença condenatória, regressa a Lisboa sem conseguir libertar-se dessa contrariedade.
Nos quatro anos do seu provincialato rege e governa com toda a prudência e equilíbrio, floresce a observância conventual e são erigidos dois novos conventos: o de Montemor-o-Novo e o de Ancede, este no concelho de Baião, sobranceiro ao rio Douro. É elevado a priorado o Convento de Nossa Senhora da Luz, na vila de Pedrógão Grande. Durante algum tempo da sua vida residiu neste convento, fundado em 1476, por D. Brites Leitoa. Reza a tradição que foi no fundo da cerca deste convento, junto ao Rio Zêzere «onde o rio Pera perde o nome», mais propriamente segundo alguns autores, «Penedo do Granada» que teria colhido inspiração para alguns dos seus livros de espiritualidade, como homem do Renascimento. De facto, quem por ali passa constata a beleza e soledade da paisagem em seu aspecto apocalíptico e lírico que inspirou a Camões a sua Canção 12: «O pomar venturoso». A este Penedo, mais tarde, Fr. Luís de Sousa, em sua História de S. Domingos, dedicou algumas das suas páginas mais arrebatadas. Quem por ali passar pode, como Fr. Luís de Granada, sentir a beleza da Criação como imagem falante da beleza divina.
Deste convento apenas restam o arco principal e os contrafortes da sua antiga Igreja.
Terminado o Provincialato fixou residência no Convento de S. Domingos de Lisboa, consagrando-se à oração, à pregação, à revisão dos livros de vida espiritual que vai editando e reeditando e ao serviço da Rainha D. Catarina e do Cardeal D. Henrique.
Em 1562 é nomeado Mestre em Sagrada Teologia, um dos mais célebres títulos que a Ordem confere aos seus religiosos mais cultos. Em 1563 recebe a alegre notícia de que o Concílio de Trento, após revisão, aprova os seus escritos, aprovação que é confirmada pelo Papa Paulo IV.
Em 1564 prega na consagração episcopal de D. António Pinheiro. Este sermão é um verdadeiro tratado sobre a vida e costumes dos Bispos e virá a ser traduzido e impresso em latim.
No período de 1565 – 1588, além do trabalho de revisão e publicação das suas obras, cujas edições se repetem, continua a sua vida de bom religioso e zeloso pregador, mantém abundante correspondência epistolar com eminentes e santos personagens daquela época: S. João de Ribera, Bispo de Badajoz e depois Patriarca de Valência 1568, Santa Teresa de Ávila 1575, S. Carlos Borromeu 1582 de quem, após a morte 1584, faz uma verdadeira apologia na carta que dirige a Carlos Bascapé, etc. ...
Passa temporadas largas em Setúbal, ocupando-se da construção do novo convento 1568 -1569, reside também no convento de Almeirim 1569 intentando mediar nas tensões da Corte, fruto da menoridade do rei D. Sebastião, prega em Lisboa 1571 ante o Cardeal Alexandrino, Legado de S. Pio V.
Nos últimos anos de sua vida, viu-se envolvido nos problemas que afectaram Portugal após o desastre de Alcácer-Quibir onde, com D. Sebastião pereceu a fina-flor da juventude e nobreza portuguesa. Este envolvimento aumenta com as complicações sobre a sucessão ao trono português após a morte do Cardeal D. Henrique, ocorrida em 31 de Janeiro de 1580 a quem assiste com os seus últimos conselhos e consola na passagem para a eternidade.
5 - Actividade literária e seu valor
Apresentamos uma lista bastante completa mas não exaustiva da sua produção literária:
a - Em Castelhano: - Oración y meditación, Guia de Pecadores, Memorial de la Vida Cristiana, Adiciones aI «Memorial», Introducción aI Símbolo de la Fé, Tratado de la Oración y Meditación Compêndio, Manual de Oraciones, Memorial de lo que debe hacer el cristiano, Tratado de algunas Oraciones, Vita Christi, Tratado de Meditación, Recompilación deI Libro de la Oración, Oraciones y ejercícios espirituales, Trece Sermones, Doctrina espiritual, Diálogo de la Encarnación, Seis biografias, Sermón de las caídas públicas, etc. ...
b - Traduções: La Imitación de Cristo ou Contemptus mundi. La Escala espiritual, traduzidas do latim e acrescentando bastante da sua lavra nesta última.
c - Obras latinas: Innumerables Sermones de tiempo y de Santos, Sylva locorum, Collectanea moralis philosophiae, Seis Libros de la Retórica eclesiástica, Loci communes.
d - Em Português: Alguns Sermões, Compêndio da Doutrina cristã, etc.
e - Muitas cartas, como já indicámos acima.
Sobre o valor espiritual de suas obras, basta-nos transcrever as palavras que, a pedido do Cardeal Arcebispo de Milão, S. Carlos Borromeu, o Papa Gregório XIII dirigiu a Fr. Luís de Granada:
«... Sempre nos foi muito aceite o vosso longo e contínuo trabalho em afastar os homens dos vícios e trazê-los à perfeição da vida e do muito fruto e contentamento para aqueles que têm desejo da sua própria salvação. Haveis pregado muitos sermões, publicado muitos livros cheios de profunda doutrina e devoção; o mesmo fazeis cada dia e não cessais, na presença e na ausência, de ganhar as almas que podeis... Para vós haveis ganhado de Deus muitas coroas, entendendo com toda a caridade neste ofício, que é certo ser de muita importância. Passai, pois, adiante, como fazeis, levando com todas as vossas forças este cuidado e acabando as coisas que tendes começadas que entendemos tendes algumas; e tirai-as à luz para saúde dos enfermos, esforço dos fracos, contentamento dos que têm saúde e força e para glória da Igreja militante e triunfante» Dado em Roma, a 21 de Junho de 1582.
Literariamente, em Espanha, é unanimemente proclamado um dos melhores clássicos, «o Cícero espanhol, cujas obras em sabedoria, elegância, eloquência e piedade superam a quantas se escreveram» na língua de Cervantes.
Na sua História da Literatura Portuguesa 1927 - Casa Editora de A. Figueirinhas, Lda. Porto, pg. 150 diz José Agostinho que, em Portugal, «grangearam-Ihe os seus Sermões uma fama tão sólida como a que tem em Espanha, donde era natural, pelos progressos que imprimiu à prosa dos seus compatriotas. Assim ficou um bom clássico dos dois países vizinhos. Como D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, foi um catequista eminente. O seu Compêndio da Doutrina Cristã é um modelo de vernaculidade e deliciosa singeleza...»
6 - Morte de um Santo e de um Apóstolo
Os anos iam passando e as forças iam definhando. Eram já 84 anos feitos no Advento de 1588. As doenças iam-se agravando. Sente que se aproxima o fim da sua peregrinação terrena e em breve passará à eternidade. Após uma vida santa e apostólica aumentaram os desejos do Céu e as ânsias de ver a Deus, face a face. Dois dias antes de morrer, vendo chorar o seu amanuense e companheiro de tantos anos P. Fr. Francisco de Oliveira, O. P., diz-lhe: «Cale, Padre, não chore, pois bem vê que eu não choro».
No dia 30 de Dezembro desse ano de 1588 sentiu-se muito decaído e recebeu a sagrada comunhão como viático. A 31, último dia do mês e do ano, às 4 horas da tarde recebeu a Unção dos Enfermos, rezando com outros religiosos Salmos e outras orações. Pediu que lhe lessem a Paixão e despediu-se de todos. Sentindo que a vida terrena ia terminar, pediu a vela benzida, e, às 9 horas da noite desse dia 31 de Dezembro de 1588, entregou calmamente a alma a Deus. Tinha como já dissemos, 84 anos, dos quais 64 vividos como religioso da Ordem dos Pregadores ou Dominicanos, 32 na Província Dominicana de Andaluzia e 32 na Província Dominicana de Portugal. É glória insigne da Ordem e de ambas as Províncias de que foi membro e glória insigne quer pela sua vida santa e apostólica quer pelos maravilhosos livros de espiritualidade que escreveu e cuja doutrina continua a ser actualíssima nos tempos de hoje.
A 1 de Janeiro de 1589 realizaram-se, com muito; concurso de pessoas, nobres e humildes, as exéquias, enterro e sepultura no cemitério conventual.
Em 1634 os seus restos mortais foram trasladados para o mausoléu onde ainda hoje se conservam à entrada da sacristia da Igreja de S. Domingos de Lisboa.
Em 2 de Outubro de 1986 na Cúria Patriarcal de Lisboa iniciou-se o processo da sua Canonização cuja sede, há pouco, passou a ser Granada onde nasceu.